Pensemos na depressão e seu sintoma mais grave: a perda da motivação para viver. Nesse estado, há um claro romance com a morte. Talvez seja por isso que vários teóricos associam o estado depressivo com uma experiência de luto. Mas, aqui há uma diferença: na depressão, tanto o ser enlutado como o ser morto é um só – o próprio deprimido. Assim, ele vive como que a velar a si mesmo, assistindo seu próprio sepultamento.
Como entender o mecanismo da perda da motivação para viver no ser humano? Penso que uma das principais forças que concorrem para o estabelecimento desta desmotivação é a ausência total de sonhos, bem como sonhos adormecidos e desacreditados pelos quais já não se luta mais. Quando o coração não vê mais possibilidades de se ter aquilo que tanto queria, ou quando não consegue enxergar dentro de si um sonho que faça brilhar seu coração.
Nenhum ser humano deveria tratar levianamente sua fonte criadora, pois nela residem sua identidade e propósito; e é no entrelaçamento desses dois que nascem os desejos mais genuínos que o homem pode ter em sua vida. “Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração” (Sl 37.4). Um dos nossos problemas é que espiritualizamos tanto a vontade de Deus que achamos que ela age contra nós. Assim não desejamos nem buscamos sua vontade e propósito para nós, por pensarmos que este propósito anulará e destruirá nossos sonhos e desejos mais ardentes. Pensamos que a vontade e propósito de Deus se resumem em ser membro de uma igreja, participar dos trabalhos dela, contribuir para o seu crescimento, ter um trabalho humano que nos garanta o sustento, e no mais, criar nossa família, garantindo que esse ciclo não seja quebrado. Essa trajetória de vida pode ser descrita também na equação que diz que a vida é igual a nascer, crescer, estudar, ter um emprego, casar-se, ter filhos, criá-los e tentar garantir uma “boa morte”. Ponto final!
A vida, todavia, é muito mais… Deus nos deu habilidade de sonhar, e isso não foi simplesmente para nos entreter. Deus não faz nada meramente por diversão. Ele está disposto a satisfazer os desejos do nosso coração exatamente porque foi Ele quem os pôs ali. Essa é a sua vontade e propósito para nossas vidas. Se Deus agisse de outra forma, ou seja, fizesse-nos cumprir um propósito totalmente avesso ao nosso querer e prazer, Ele estaria violando seu princípio do livre-arbítrio dado ao homem. Mas Deus não age assim. Ele nos conhece, e conforme o seu conhecimento a nosso respeito (conhecimento das nuanças de nossa personalidade, capacidade, propensões de fraqueza e limitações, habilidades naturais etc.), Ele coloca desejos santos em nossos corações. Desejos que na relação com Ele são moldados, fortalecidos e transformados em visões e sonhos. Para isso o Senhor continua a pedir: “Dá-me, filho meu, o teu coração, e os teus olhos se agradem dos meus caminhos.” (Provérbios 23:26).
Todo aquele que descobriu e acredita no propósito de Deus para sua vida, possuindo sonhos na existência jamais será derrotado pela depressão que faz perder a vontade de viver, pois ele sabe que perder a vontade de viver é perder os sonhos que se tem. É possível que se passe por momentos depressivos, de extremo desânimo, mas fiel é Deus que não nos deixará sucumbir pela falta de força para viver. Sabemos que é possível que se chegue a esse estado. Elias e Jonas ajudam a exemplificar essa possibilidade. Todavia, não morreram neste estado. Assim, devemos crer e reafirmar para nós mesmos: “Se o lugar onde estou não corresponde aos sonhos do Senhor colocados em meu coração, este lugar só pode ser transitório”. O salmista escreveu: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.” (Sl 30.5). Pode ser que a depressão dure uma noite que para nós pareça uma eternidade, todavia Deus promete a vinda da alegria em uma manhã que romperá com a noite de trevas em nossa vida. E quando Deus tira uma alma da depressão, uma das coisas que Ele sempre faz é restaurar a esperança e os sonhos daquele que agora já não é mais deprimido, nem mesmo deseja secretamente a morte. Agora a esperança faz brilhar o coração em alegria pela vida. Vida em si mesma. Vida que por si só já é um grande presente: o maior dos dons.
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