O Deus que restaura

Tempo de leitura: 5 min

Escrito por Celso Melo


Houve uma época na história das organizações de trabalho em que havia rigor mecânico e disciplina militar em relação às pessoas. Os funcionários ruins eram rapidamente identificados e substituídos na velocidade da “troca de um parafuso”. “Os tempos modernos” se foram e outros vieram, com menos rigor, com menos mecanicismo. Todavia, estudando a psicologia do trabalho vemos o quanto foi difícil o empregado virar colaborador e até mesmo, o patrão se transformar em um gestor e líder. Hoje, não vemos (pelo menos não deveríamos) seres como peças de engrenagem, mas sim capitais intelectuais e verdadeiros recursos humanos. Tal mudança na cultura das organizações tem possibilitado o refreamento da pressa em querer “trocar o parafuso”. Ao contrário, a tendência é que pela via do treinamento e desenvolvimento, obtenha-se profissionais reciclados e reabilitados.

Diante da ligeira reflexão introdutória, há espaço para que pensemos um pouco sobre a relação de Deus com o homem – ser imperfeito e que frequentemente está em rebeldia contra seu criador. Fico a interrogar: A maneira de Deus agir se assemelha a qual das duas atitudes mencionadas acima? Será que Deus descartaria  uma vida que, embora já tenha experimentado a regeneração, ainda permanece sendo um “filho-problema” ? Ou será que o Senhor realmente, além de ser o Deus da regeneração, também é o Deus da restauração?

Bem, certamente a resposta é óbvia e a mesma para todos nós, ou seja, Deus sempre está empregando esforços para restaurar um servo em crise, desencantado e que agora se encontra enveredando pelos caminhos da rebeldia… Porém a obviedade desta resposta me é preocupante, pois me lança a outro questionamento muito mais profundo: Se Deus age desta maneira, por que então a igreja, o corpo de Cristo aqui na terra, frequentemente age mais interessada na exclusão de um membro falho do que em sua restauração? Será que é por que a restauração demanda ajuda, esforço e lágrimas? Se esta é a razão, volto a perguntar: Não é exatamente essa a missão da igreja? Não deveria ser ela um pronto- socorro espiritual?

Há um relato nos evangelhos que sempre me fascinou quando penso em restauração. Trata-se da atitude de Jesus para com Pedro, aquele que o negou por três vezes. Depois de seu fracasso, ele voltou para a prática de sua antiga ocupação, a pesca, por ter excluído a si mesmo do grupo seleto dos discípulos. Pensemos um pouco na situação: Não teria Jesus – razões humanas – para escolher um outro discípulo? Seria uma injustiça tão grande, simplesmente deixar aquele que tanto havia errado, fora do grupo seleto dos doze?  Bem, razões humanas poderia ter, pois assim  agiríamos nós – os homens. Deus não! Deus em seu amor sempre tem razões para incluir, e não lançar fora.

É provável que com a mentalidade de muitos líderes de sua igreja  de hoje, Jesus tivesse desistido…. Mas, para nossa alegria, nosso mestre não é como nenhum desses que com “ar de zelo santificador” aplicam a disciplina como forma cômoda de safarem-se dos problemas envolvidos nos esforços para restaurar um servo achado em falta. Os tais parecem nunca ter ouvido a voz do Senhor lhes dizendo: “Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de mansidão, olhando por ti mesmo, para que não sejas tentado” (Gl 6.1).

Voltando à referida história, assim se deu a restauração de Pedro: Na manhã do terceiro dia, passado o sábado, Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e Salomé foram até o tumulo para ungirem o corpo de Jesus com aromas. A caminho do sepulcro, indagavam entre si sobre a dificuldade que teriam para remover a pedra da porta de sepulcro, pois era muito grande. Quando chegaram, tal foi a surpresa das duas, ao verem a pedra já removida. Um anjo vestido de uma roupa comprida, branca, assentado e tranquilo lhes disse: “Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto. Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele vai adiante de vós para a Galileia; lá o vereis, como ele vos disse” (Mc 16.6,7). Sempre me fascinou a expressão: “e a Pedro.” Pensava: Por que será que o anjo destacou Pedro dentre os discípulos, dizendo a elas para que dissessem aos discípulos e a Pedro? Não era Pedro um dos discípulos? Outro detalhe importante é o fato desta narrativa não se encontrar em nenhum outro evangelho, mas unicamente no evangelho de Marcos. Segundo tradicionalmente se crê Marcos escreveu seu evangelho, tendo Pedro como sua testemunha. Portanto, esta Palavra dita pelo anjo àquelas mulheres, e depois passada a Pedro, jamais foi esquecida por ele, afinal, quando Pedro ouviu que Jesus desejava encontrar-se com ele (Não simplesmente com os discípulos, mas com ele), Pedro se animou sabendo que, apesar de tudo que havia feito, o mestre, mesmo assim o amava. É assim que a restauração começa. Deus nos transmite a certeza de que ainda nos ama, a despeito de tudo que fizemos e nos aconteceu…

Outro ponto interessante que observamos foi que o diálogo entre Jesus e seu discípulo fracassado ocorreu, estando os dois a sós, caminhando beira-mar. É isso que nos dá a entender João, o evangelista, a quem coube a nobre tarefa de narrar a restauração de Pedro. Ele escreveu  mais o que Jesus falou, narrando pouquíssimos milagres que Ele realizou. No verso 20 do último capítulo do seu evangelho ele assim escreve: “E Pedro, voltando-se viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava…”.  Com esta informação, dá pra gente montar todo o cenário da restauração de Pedro. Jesus e os discípulos  comem peixe e pão, Jesus chama Pedro para conversar, eles começam a andar na areia, e Jesus começa a perguntar-lhe: “Pedro, tu me amas?”. A pergunta se repete por três vezes, Pedro se entristece, e algo começa a acontecer dentro dele. Restauração!

O processo de restauração ocorre quando entendemos que o Senhor não nos exclui dentre os seus discípulos. Ao contrário, ele é capaz de nos distinguir entre eles, ler os nossos sentimentos de rejeição pessoal e também, por nos conhecer, Ele nos chama pelo nome. Enfatizando a história de Pedro, o que aconteceu a ele, praticamente todos nós sabemos: Depois que Jesus ressuscitou, Ele foi ao encontro de seu discípulo fracassado e o restaurou gloriosamente, usando três curiosas perguntas repetidas: “Pedro, tu me amas?”. Aqui está a grande lição para a igreja de hoje: o único agente capaz de restaurar foi o amor, é o amor e continua sendo o amor. Que ele esteja presente em nossos corações e esteja Deus nos dando graça para agirmos segundo sua eficácia em nossas vidas. Amém!

Celso Melo
Ipatinga / MG

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